segunda-feira, 7 de maio de 2012


Entrou no hospital nervoso e mandou chamar o melhor neurocirurgião. Disse que era caso de vida ou morte. Não se sabe como, o melhor neurocirurgião foi atendê-lo. Médicos são tão imprevisíveis, as vezes precisa-se muito e eles falham; Subitamente, estão ali, salvando nossas vidas, ele pensou, sem se incomodar com o lugar comum.

Finalmente estava na sala diante do doutor. Uma sala branca, anônima. Por que são sempre assim, derrotando a gente logo de entrada?

O médico:

-Sim?
- Quero me operar. Na verdade, quero que o senhor tire um pedaço do meu cérebro.
- Um pedaço do seu cérebro? Por que vou tirar um pedaço do seu cérebro?
-Porque eu quero!

O médico, já um pouco impaciente retruca:
-Sim, mas você precisa me explicar. Justificar.
-Não basta eu querer?
-Claro que não!
- Mas não sou dono do meu corpo?

O médico pensa um, olha o pátio pela janela e responde:
-Em termos.
- Como em termos?
- Bem, o senhor é e não é. Há certas coisas que o senhor está impedido de fazer. Ou melhor, eu estou impedido de fazer no senhor.
-Quem impede?
- A ética, a lei.
-A sua ética manda também no meu corpo? Se pago, se quero, é porque quero fazer do meu corpo aquilo que desejo, e acabou!
- Olha, a gente vai ficar o dia inteiro nessa discussão boba, e eu não tenho tempo a perder. Me diga logo, por que o senhor quer cortar um pedaço do cérebro?
- Quero eliminar minha memória.
- Pra quê?
- Gozado, as pessoas só sabem perguntar: O quê? Por que? Para que? Falei com dezenas de pessoas e todos me perguntaram a mesma coisa. Não podem aceitar pura e simplesmente alguém que deseja eliminar a memória?
- Já que o senhor veio a mim fazer essa operação, tenho ao menos o direito dessa informação.
- Não quero lembrar de nada, só isso! As coisas passaram, passaram. Fim!
- Calma, não é tão simples assim. Na vida diária, o senhor precisa da memória. Para lembrar pequenas coisas, ou grandes compromissos, encontros, coisas a pagar, etc...
- É tudo isso que quero eliminar! Marco numa agenda, olho ali e pronto.
- Não dá pra fazer isso de qualquer modo. A medicina não está tão adiantada assim.
- Quer dizer que em lugar nenhum posso eliminar a memória?
- Que eu saiba não.
Seria muito melhor para os homens. O dia-a-dia. O dia de hoje para a frente. Entende o que quero dizer? Nenhuma lembrança ruim ou boa, nenhuma neurose. O passado fechado, encerrado. Definitivamente bloqueado e perdido no tempo. Não seria engraçado? Não se lembrar do que tomou no café da manhã? E para que quero me lembrar do que tomei no café da manhã?
- Se todos fizessem isso, acabaria a história.
- E quem quer saber de história?
- Imaginou o mundo?
- Feliz, tranquilo. Só de futuro. O dia em vez de se transformar em passado de hoje, mudando-se em futuro. Cada instante projetado para a frente.
- Não seria bem assim. Responde relutante o médico. - Teríamos apenas uma soma de instantes perdidos. Nada mais. Cada segundo eliminado, a sua existência comprovada através de que?
- Quem quer provar a existência?
- A gente precisa!
-Para que???

O médico pensou, pensou... Não conseguiu responder. O homem tinha-o deixado totalmente confuso. Pediu ao homem que voltasse outro dia, despediram-se. O médico subiu para os brancos corredores do hospital, passou pela sala de operações. Chamou um amigo.

- Estou pensando em tirar um pedaço do meu cérebro. Eliminar a memória. O que você acha?
- Muito boa ideia. Por que não pensamos nisso antes? Opero você e depois você me opera. Também quero.

Ignácio de Loyola Brandão.

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