sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Com o baixo ventre do Texas e suas mulheres malucas com cicatrizes que não irão desaparecer, que choram e te fodem, te abandonam, escrevem cartas familiares todo natal, apesar de você ser agora um estranho. Não vai te deixar esquecer. Bruegel, as moscas, você lá fora defronte à janela, a perda e o terror, a tristeza e o fracasso, o teatro, a grosseria, todas as nossas vidas desmoronando, se reerguendo, fingindo que tá tudo bem, arreganhando os dentes, soluçando. Nós limpamos os nossos cuzinhos e os da outra espécie. 

Charles B.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Dormi nas ruas, conhecendo esse país
peguei caronas, adormeci nas lonas
fui pra onde quis, dormi, sorri, bebi.

Amei garotos e desejei garotas
beijei a boca dos meninos
estuprei belos corpos femininos
tudo intenso e tão desprovido de labor.

Dormi nas ruas e pedi comida
não tive dinheiro nem pra uma dormida
mas me senti feliz como nunca antes na vida.

Conheci renegados, degradados
destruídos por uma sociedade esquisita
mas que tinham mais estilo que qualquer
bem sucedido da vila Maria.

Senti o medo dos becos sem luz
cheirei o pó da cruz de Jesus
gozei na boca vermelha
conheci as praças vazias
chorei a dor de todas as feridas.






terça-feira, 27 de novembro de 2012

Assim que a gente entrega a alma, tudo continua com mortal certeza, mesmo no meio do caos. Desde o princípio, jamais passou de outra coisa que não o caos: um fluido que me envolvia, que eu respirava pelas guelras. Nos substratos, onde a lua brilhava constante e opaca, era liso e fecundante; acima, confusa vozearia e discórdia. Em tudo eu via logo um oposto, uma contradição, e entre o real e irreal, a ironia, o paradoxo. Eu era o meu pior inimigo. Não desejava fazer nada que fosse melhor não fazer. Mesmo em criança, quando não me faltava nada, queria morrer: queria render-me porque não via sentido em lutar. Sentia que nada se provaria, consubstanciaria, somaria ou subtrairia pela continuação de uma existência que eu não pedira. Todos á minha volta eram um fracasso, ou, se não, ridículos. Sobretudo os bem-sucedidos. Estes me entediavam até as lágrimas. Eu era excessivamente compreensivo, mas não por simpatia. Era uma qualidade totalmente negativa, uma fraqueza que desabrochava à simples visão da infelicidade humana. Jamais ajudei a quem quer que fosse esperando que isso fizesse algum bem; ajudava porque não podia agir de outro modo. Parecia-me fútil querer mudar a condição das coisas; convencera-me de que nada se alteraria, a não ser uma mudança de opinião, e quem conseguiria mudar opiniões dos homens? De vez em quando, um amigo se convertia: coisa que me dava engulhos. Eu não precisava mais de Deus do que Ele de mim, e se houvesse um Deus, dizia-me muitas vezes, eu O enfrentaria com toda calma e cuspiria em Sua cara,

Henry Miller.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um velho vem esbaforido e senta ao meu lado, parece decidido. Pela sua aparência e falta de fôlego, imaginei que ele estivesse andando por anos para chegar até aqui. Ele me examinou como se procurasse traços familiares em mim. Não tive medo. Por que teria, afinal?

Continuei olhando pro horizonte do mar e sentindo a brisa leve que arrepiava. O céu de tão azul e sem nuvens parecia infinito. O velho coloca um cigarro amassado na boca e bate nos bolsos como se estivesse procurando fogo, não me importo. Ele finalmente acha o isqueiro, faz uma concha com a mão esquerda e cada que vez que risca a pedra ruga o rosto para se concentrar.

O velho desconhecido levanta, oferece um sorriso cansado e continua sua caminhada.
Observo ele se afastando com o olhar de quem entendeu o recado.

O céu de tão azul e e sem nuvens parecia perfeito, sem textura.

Pela segunda vez na minha vida, sinto entender plenamente o que é felicidade.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Sim, eu tenho uma alma.

A sua alma, dança?
Tenho uma alma inquieta, desconfiada
essa nébula dentro de mim, que me faz
ter vontade de gritar.

O doce grito da alma

Desesperado, descabelado
um grito inaudito,
que reverbera em todos becos e ruas
uma alma que só descansa
quando sente o grito da tua.

Tenho uma alma pesada, viciada
enquanto os cachorros da vizinha se matam
e o vigia noturno do prédio na esquina se suicida
eu tento esquecê-la.

Tento ser um pouco, só de carne e osso.
Mas sou carne, osso e sentimentos.

Essa alma surrupiada me diz,
que nunca fui bom no que fiz
e sinto ela indo embora
cada vez que assopro mais um trago do cigarro.

Sim! Eu tenho uma alma!
E a sinto lajetar no meio das pernas
quando te vejo, deitada de bruços,
só de calcinha, sobre meu braço esquerdo.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012


Olhei para trás de relance e ela continuava linda de alguma forma, no ódio do seu pútrido amor.

Charles B.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Tudo que eu queria era parar de me sentir mal quando as coisas davam errado. Mas isso estava ficando cada vez mais freqüente e comecei a questionar minha sorte, ou falta dela.

Ultimamente nao tenho tido vontade nem de mudar de posição na cama, imagina levantar dela uma hora. Tudo começa a dar errado e o único pensamento que me persegue, insiste: "Você nao e bom o suficiente. Você nao e bom o suficiente em nada."

Eu sempre quis ser bom em alguma coisa, já fiz de tudo, mas nada dura mais que algumas semanas. Tentei jogar bola, aprender um instrumento, costurar, arrancar dentes, dar aula. Tentei ate o halterofilismo. Admiro atletas, artistas, trabalhadores, pessoas que fazem a vinte anos a mesma coisa e se identificam com isso e se completam com isso e conseguem, ao mesmo tempo, gerir sua sobrevivência e evoluir no que faz.

Mas agora, eu nao quero saber o que e ou o que nao e bom pra mim. Quero apenas entender o que estou sentindo. E essa a questão? Atletas, artistas e trabalhadores também passam por isso? Lógico que sim... Mas eles tem com o que se preocupar e o que fazer. Eu apenas começo a ficar deprimido e percebo que minha vida nao vai a lugar nenhum.




sábado, 3 de novembro de 2012

"Peguei minha garrafa e fui pro meu quarto. Fiquei só de cueca e deitei na cama. Nada estava em sintonia, nunca. As pessoas vão se agarrando às cegas a tudo que existe: comunismo, comida natural, zen, surf, balé, hipnotismo, encontros grupais, orgias, ciclismo, ervas, catolicismo, halterofilismo, viagens, retiros, vegetarianismo, Índia, pintura, literatura, escultura, música, carros, mochila, ioga, cópula, jogo, bebida, andar por aí, iogurte congelado, Beethoven, Bach, Buda, Cristo, heroína, suco de cenoura, suicídio, roupas feitas à mão, vôos a jato, Nova York, e aí tudo se evapora, se rompe em pedaços. As pessoas têm de achar o que fazer enquanto esperam a morte. Acho legal ter uma escolha." 

Charles B.