terça-feira, 9 de agosto de 2016

  Ton era um garoto muito criativo e aos 10 anos de idade já desenhava muito bem. Os pais não podiam receber visitas que já iam gritando pelo menino para que ele mostrasse seus desenhos e sua precoce habilidade com os lápis de cor. De seu quarto, Ton escutava os gritos do pai e já sabia o que devia fazer, descia lentamente as escadas com os caderninhos debaixo do braço e ia até a sala com cara de poucos amigos.


-Oh, que bonito! Foi você mesmo que fez?

- É um belo desenho, Ton!


  Os pais regojizavam de orgulho e já espelhavam nele mil e uma possibilidades de ter sucesso na vida. Coisa que nunca tiveram. Ton não gostava muito daquilo, sempre foi um garoto tímido, até mesmo estranho e não achava nada demais nos dinossauros e tanques de guerra. Enquanto as visitas iam folheando seu pequeno caderninho ficava prostrado a beira do sofá com cara de tédio e desanimado. Na verdade só queria voltar para o quarto e terminar a guerra entre os índios apache e os bravos soldadinhos de plástico.



  Na escola era a mesma coisa, as professorinhas velhas e carrancudas viviam a encher seu saco perguntando o que havia desenhado de novo, o garoto se limitava a responder duas ou três coisas e voltava para o seu lugar. Eram poucas as tarefas em sua classe, logo as professoras pediam aos alunos que trouxessem coisas de casa para que mostrassem aos coleguinhas e a partir disso desenvolverem algum tipo de atividade. Alguns levavam fotografias, outros brinquedos e até mesmo animais. Uma vez, Lucinha, que sentava duas cadeiras atrás de Ton, levou um vibrador que pegara no armário da mãe. Esperou sua vez de mostrar o que tinha levado e quando acionada começou a tirar aquele enorme cacete cor de pele da bolsinha. Ton olhou para trás e reconheceu o objeto. A professora ao perceber do que se tratava, disparou em direção dela feito uma flecha e empurrou de volta para dentro da mochila aquela grossa rola de plástico. -"Pelo amor de deus garota!" "Você sabe o que..... " tentava a velha professora organizar as palavras. -"Leve isso para casa e pelo amor de deus guarde onde achou." Talvez fizesse muito tempo que a professora não entrava em contato com um daqueles e por isso a reação eufórica e afobada.



  Os alunos também gostavam bastante das aulinhas de literatura. O professor, um senhor grisalho e dentuço que usava suspensório e tinha hábitos engraçados costumava pedir aos alunos que escrevessem alguma coisa em casa para que na aula seguinte todos pudessem sentar em círculo e cada um ler a sua. As crianças são pequenos reservatórios de criatividade e imaginação, transbordam até o topo!

  Ton despretensiosamente não gostava de fazer as tarefas dada pelos professores e realmente achava tudo aquilo idiota e muito fácil, com frequência a coordenação o repreendia ou ligavam para seus pais na intenção de relatar tal comportamento descabido do rapaz, isso gerava uma série de brincadeirinhas entre os garotos mais saidinhos que não perdiam uma chance para tirar um sarro de alguém.

  Até que um dia ele resolveu participar da roda de leitura do professor dentuço. Na noite que antecedia a aula trancou-se no quarto e sentou-se em sua mesinha, afastou os desenhos, atirou o pajé na cama e o general para perto da porta e começou a escrever o que vinha na cabeça. Lembrou de quando era mais novo e a família saiu de férias para uma praia, de uma prima que um dia se perdeu na mata, lembrou também da vez que foi em um circo e todos começaram a correr por que acidentalmente a peruca do palhaço pegou fogo e também recordou em câmera lenta da hilária cena da professora atravessando a sala como se nada mais importasse na vida para enfiar de volta uma grande rola de plástico na mochila da Lucinha, como se o aparecimento daquela coisa profana fosse corromper eternamente a vida dos fedelhos. Gostou da experiência e foi dormir feliz.

  Afastaram as cadeiras com seus bracinhos e fizeram um círculo na sala. Fred começou a ler e era uma história sobre coxinhas alienígenas que invadiam a cantina da escola, os meninos adoravam e urravam até o dentuço pedir calma. E assim foram lendo um por um, Lucinha escreveu sobre os pais brigando, Amanda amava animais e em suas histórias eles falavam e agiam como seres humanos, até que chegou a vez do Ton e para surpresa de todos ele tirou uma página meio amassada do caderno e começou a ler.

  Em pouco tempo se desarmaram, até os saidinhos prestavam atenção. Era como um pequeno milagre, algo realmente muito engraçado e trágico que produzia diversas sensações nas outras crianças, ele ia lendo e lendo sobre um ser mágico que morava em uma casa no meio da floresta e apesar de ser mágico e ter vários poderes legais se sentia muito triste por que não tinha ninguém para mostrar tudo que era capaz de fazer. O feiticeiro desconsolado transformava árvores em grandes tigelas de doce de leite e chorava.Ficaram todos encantados e atentos para ouvir tudo até o final. Ao término da aula correram para o pátio e ficaram brincando de mágicos e super poderes.

  Aquilo encantou o garoto Ton, nunca mais seria o mesmo. Todo dia depois da aula ele corria para casa pensando em frases e decorando piadas. Subia as escadas até o quarto e o espacinho na mesa já estava no tamanho certo. As vezes escutava os gritos que vinham da sala e já nem se importava. Tinha achado o que precisava. Já não queria pintar nem desenhar, na verdade nem lembrava disso,  apenas escrevia e enquanto ia brincando até podia ouvir os risos contentes dos coleguinhas ou mesmo imaginar o alegre e bonito sorriso de Duda ao escutar a próxima historia.

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