quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Hoje não quero questões!
Estou tão fresco, tão ligeiro;
A alegria e as canções
Inventei-as eu primeiro.
Por isso bebo! Pra baixo!
Tocai lá! Estou como um cacho!
Tu la detrás, vem aqui!
Toca lá! Foi bem assim.

Minha mulher dava berros,
Até a roupa me rasgou,
Lançou-me em rosto os meus erros,
Estafermo me chamou.
Mas eu bebo, bebo bem;
Tocai lá, bebei também!
Estafermos, é tocar!
Se tinir, logo emborcar.

Não digais que ando perdido!
Estou aqui porque me apraz;
Se não fiar o marido,
Fia a mulher ou o rapaz.
Beba eu sempre sem parar!
Sus, amigos, é tocar!
Uns aos outros, sem ter fim!
Desta vez foi bem assim.

O que me alegra e dá gosto
Posso sempre suceder:
Deixai-me aqui neste posto!
Já me não posso em pé ter.

Fausto.

domingo, 25 de setembro de 2016

    Aos domingos todas as tristezas do mundo se intensificam e não há playlist que dê um jeito nisso. Sabem todos aqueles que sofrem que a alegria é apenas uma sombra projetada pela dor, uma penumbra fina e sensível que realmente não dura muito tempo se exposta. Então, o que são as lembranças? O que são as lembranças de um domingo? Sol quente, vento constante,  ela deitada e meu colchão estendido no chão pois não cabemos juntos na cama apertada. Lembranças de domingo são constantes, repito, e podem ocorrer nos outros dias da semana, mas especialmente aos domingos é que vem à mente aquele cheiro acre de banheiro semi limpo, os alaridos e as patinhas da cadela arranhando o chão lamuriosamente, implorando para passear na rua.

  De domingos mais antigos eu gosto de lembrar quando íamos a praia, a família toda reunida, decidida a pelo menos por um dia fingir ser normal e aproveitar prazerosamente algum momento. Sentávamos a beira do mar e aí é cada um com sua diversão. A minha era fantasiar histórias, criar lugares, encenar situações (acho que toda criança faz isso). De mais nítido eu consigo lembrar de um bonequinho do Wolverine, que dentre os poucos brinquedos era o meu preferido. Eu sempre o levava comigo para todos os cantos, a praia é que ele não poderia faltar. Era o meu ator principal, o Samuel L. Jackson do Tarantulino. Apesar de todo carinho e de recordar perfeitamente de todas as suas cores, fisionomia, os bracinhos e as perninhas flexíveis, não sei qual fim que teve. Deve ter se perdido em alguma mudança, talvez mar adentro ou soterrado em algum castelo de areia. Simplesmente sumiu, feito a ilha de Krakatoa, puf! Sumiu e sobrou lembrança. Espero que tenha tido um final trágico e bonito, digno dos grandes papéis cinematográficos.

   Constantemente vamos nos renovando, adquirindo novos hábitos, revendo pensamentos, analisando de outras formas as mesmas situações. Tudo que um dia era novo e ardia intensamente tem um lugarzinho reservado na memória para de uma vez por todas se aquietar. Uns chamam isso de evolução ou em outras palavras envelhecer. Eu chamo isso de vida e não vejo nada mais que um processo normal que além de saudável é indispensável.

  Já fazem seis anos que eu tenho esse blog. É um bom tempo visto que as coisas que eu tento ter ou fazer nunca duram mais que três. Apesar disso, ele não significa nada e 99% do que nele está escrito é um imenso cagalhão boiando num mar esquisito. Escrever me reativa as memórias e eu parei pra pensar: Será a vida esse looping de recordações? Ou estou eu atormentado demais por fantasmas esquecidos? Wolverine ainda vive? e os baldes e as pazinhas de areia? Foram algum dia reais? E por existirem nas minhas lembranças ainda são reais? Ou deixam de ser? Quem, de certa forma, passou pela minha vida, Ainda existe? Existiu? Ou estão todos juntos a brincar com Wolverine e baldes e pazinhas numa tarde de domingo em alguma praia fictícia? Que nunca existiu.


sábado, 24 de setembro de 2016

Na beira do pensamento
Sentado o homem está
Apoiado, mãos no muro
Prestes a zarpar.

A viagem é sem  rodeios
Direto ao ponto principal
Sente o baque, pisa o freio
Ânsia desproporcional.

No limite da loucura
Margeando o arvoredo
Em penumbras, névoa escura
Os trovões tartamudeiam.

E se em grama esverdeada
Sentado ele está
Não carece de perguntas, não duvida
Sente a brisa lhe afagar.

No peito guarda perguntas
Se caminha e nada vê
Não tem pressa, calmo e quieto
As pernas não podem correr.

A charada é irresolúvel
Pois não podes responder
Quem seria tal animal
Além de mim, e de você?







quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Numa dispensa houve um rato
Que só manteiga comia,
Uma pancinha criara
Que nem Lutero o vencia.
A cozinheira veneno
No buraco lhe foi pôr;
E tais apertos se viu
Como quem arde de amor.

Dentro e fora corre doido.
Infinda água bebia,
A casa toda roendo,
Não mitigava a agonia;
Dava pulos desesperados
Tanto o apertava a dor;
De cansaço está rendido
Como quem arde de amor.

Afinal agoniado
Aparece a luz do dia,
na cozinha anda a correr
E no lar já estendia.
Estrebuchava o coitado,
E vendo-o no estertor,
Ria a cozinheira. O pobre
Expirou como de amor!

Fausto.


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Não é este mundo concludente;
Uma espécie ergue-se além -
Invisível como música
Mas concreta como som
Ela acena e desconcerta -
Filosofias - não sabem -
E por fim, numa charada -

Esvai-se a sagacidade -
Doutores quedam perplexos -
Para obtê-las os que padecem
Das gerações o desprezo,
E morrem crucificados.

Resvala a fé - troça e ri -
Enrubesce - se alguém olha -
Puxa um galho de evidência
Pede o rumo ao catavento
São muitos gestos, do púlpito
Alto soam os aleluias

E narcóticos não acalmam
O dente que morde a alma.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016


Corri decorando palavras na mente, frases, textos. Corri com tudo, dois postes, três árvores enfileiradas, Biu contando a velha piada sem graça e pedindo trocados na esquina. "Qual a cor do cavalo..." Paro, aperto sua mão e lhe coloco cinco reais no bolso da camisa. "Quem descobriu..." "Agora não Biu, preciso voltar!" Atravessei a rua rápido e com muito medo, confiante. Não comigo! Só preciso correr, as palavras fluem no braço forte do rio e não se prendem nas margens, Achei a felicidade? Me sentindo bem como há dias não me sentia.. Ah! Que cidade faceira! de grandes pegadas e estrondosos gritos que ainda ecoam em tuas casas de paredes antigas, nas ruelas cruzadas, nas pontes que te unem e que se imortalizaram na alma de grandes poetas. Abri o portão com extrema desenvoltura e ar magistral, o jarro verde na varanda estava quebrado e o lixo de dias seguidos empilhados. Não era o bastante para me encomodar. Não comigo!

 Corri pra mesa pulando cacos de vidro de alguma garrafa que um dia estilhaçou e virou ornamentação da sala. Arte moderna. Papel e caneta nos mesmos lugares de sempre, nunca tinha usado mas sempre achei que um dia ia escrever um livro. E o dia tinha chegado! Sim! Não uma história, um livro! Sentei, peguei a caneta e..... Escrevi bastante! Ou achou que, como prefere a maioria, as palavras iam fugir? Não de mim. Não comigo! Escrevi a madrugada inteira e era o sentimento de uma grande viagem, outra grande viagem! Longos dias e longas noites, a flor da pele, desejando tudo, apaixonado pela natureza e pelos homens.

 Acordei com um sentimento de ressaca, coisa que não sentia há dias, por falta de grana mesmo. Parecia que eu tinha tomado um porre daqueles, sabe? Boca seca, dor de barriga, esquecimento, vazio, tédio, encômodo, leve tendência a auto destruição. Entre levantar da cama e desvencilhar o lençol do corpo para dar uma mijada no banheiro levaram-se talvez duas horas de prostração contagiosa. Preguiça suficiente para interromper todas as guerras do mundo. Peguei aquele monte de papel, li e reli, achei tudo uma grande bosta e senti um pouco de vergonha. Como se, hipoteticamente, a pessoa que eu mais amo no mundo tivesse lido aquilo e achado que tais coisas só fossem capazes de serem escritas por algum pobre diabo desengonçado e sem a mínima da mínima da milésima mínima habilidade para fazer aquilo dar certo. Olhei pra pia e a louça suja beirava o teto. Meu estômago também olhou e roncou alto...


terça-feira, 13 de setembro de 2016

Amores contrariados pela desgraça e pelas grandes distâncias são como amores de marinheiros, não há jeito, são irrefutáveis e são um sucesso. Como a vida não passa de um delírio abarrotado de mentiras, quanto mais longe estivermos e quanto mais pudermos botar mentiras ali dentro, mais então ficaremos felizes, é natural e é sempre assim. A verdade não é comestível.

Inventamos desculpas esfarrapadas, protegendo a própria carcaça enquanto ainda pode se manter de pé. Os deslizes alheios são intoleráveis, mesmo que os próprios sejam mais podres, imundos. Agora é fácil nos contarem a respeito de Jesus Cristo, será que ele ia no banheiro na frente de todo mundo, Jesus Cristo? Tenho cá pra mim que aquilo não ia durar muito tempo, o troço dele, se fizesse cocô em público. Pouquíssima presença. O resto é lorota.

Depois de anos, repensando nisso, acontece de querermos recuperá-las, as palavras, que algumas pessoas disseram, e as próprias palavras, para perguntar o que quiseram dizer.... Mas já se foram! Não tínhamos instrução suficiente para compreendê-las.... Gostaríamos de saber, assim, só para saber, se desde então não mudaram de opinião, sabe-se lá. Mas é de fato tarde demais. Acabou-se! Ninguém sabe mais delas. A gente tenta então continuar nosso caminho sozinho, na noite. Perdemos nossos verdadeiros companheiros. Não lhes dizemos a pergunta certa, a verdadeira, quando era tempo. Ao lado deles não sabíamos. Homem perdido. Estamos sempre atrasados. Tudo isso são arrependimentos que não enchem barriga.